Os pingos que evitaram uma inundação

OS PINGOS QUE EVITARAM UMA INUNDAÇÃO, por Jorge Uesu      (Um herói por acaso)

    Com tanta chuva caindo ultimamente, o jeito é apurar os ouvidos e avaliar se a chuva está forte ou está amainando. Daí é possível discernir os vários tipos de sons que indicam desde uma chuva torrencial, passando por chuvas com ventania até aquela chuvinha mansa convidativa para esticar o sono.

    Nesta  introdução sobre a chuva não utilizei nenhuma palavra onomatopeica.

    O Japão é um dos países que mais usam e abusam  desta forma de linguagem seja na falada ou escrita. Exemplo disso são os mangás recheados desse recurso. A onomatopéia é utilizada para expressar vozes humanas, de animais, sons do ambiente e por incrível que pareça os sentimentos internos e externos de uma pessoa. (Embora este último não seja exatamente uma onomatopéia). 

    O mais interessante é que todos temos os mesmos ouvidos porém, os brasileiros ouvem de forma diferente dos japoneses.  Exemplificando: o cachorro de lá late "wan wan" o nosso "au au" . Outros exemplos: 

Gato
Japão   -- nyá-ñyá
Brasil    -- miau miau

Boi 
Japão  -- moo  moo
Brasil   -- muu muu

Um objeto se quebrando
Brasil  --crash
Japão  -- gatyan 

Espirro
Brasil   Atchim
Japão  hakuchon

    Quanto à expressão humana, revelam claramente se a pessoa está sorridente (nico nico), nervoso (mura mura), olhando fixamente uma pessoa (jiro jiro), criança chorando (fugyaa ou waa waa ) ou pessoa algo constrangida (moji moji).  Outro sons: janela batendo (batan batan), algo leve flutuando (fuwa fuwa), algo brilhante (pika pika), cintilante (kira kira).

    Nos mangás, imaginem, para indicar o silêncio total vem escrito --shiiim. 

    O curioso são os vários significados de -- goro goro:

    Uma pedra grande pedra rolando montanha abaixo.

    O barulho da trovoada

    O barulho da fome ou estômago vazio

    Ou uma pessoa folgada que fica rolando de um lado a outro pelo chão.  

    No Brasil moderno da era da internet, particularmente no Face são muito utilizadas as várias formas do riso: o mais contido expressa com rs rs rs. Os mais abertos postam um hahaha.  Agora, se alguém quer ridicularizar alguém ou rir da própria piada, solta um kkk.

    Feito o esclarecimento voltemos à chuva.

    Torrencial (zaa zaa), chuva calma (shito shito), com ventania (goo goo). Dá pra imaginar o  vento  e a chuva fustigando as árvores (byuuu byuuu )

    Era mais da meia noite. A Neli já em sono profundo e não mais ouve a ventania nem os primeiros pingos grandes caindo no telhado e no chão, tal  qual granizos, batendo nas janelas ou nas  calhas. 

    Se nós que moramos em casas sólidas e em lugares altos, ficamos preocupados que algo de anormal aconteça, fiquei imaginando a preocupação das pessoas humildes que moram em lugares onde ocorrem as tragédias anunciadas.

    Na cama, com os olhos na leitura e com os ouvidos atentos na tempestade cada vez mais ameaçadora, já ouço bacias e outros objetos sendo arrastados pelo vento. 

    Mas mesmo com o barulho da chuva torrencial e persistente percebi que algo de anormal estava acontecendo lá fora.

    Temos uma sacada em frente ao nosso quarto cujo piso é coberto de lajota.

    Com a chuva caindo diretamente num piso sêco ou molhado espera-se ouvir o familiar  "pityan pityan" 

    Ao invés disso,  ouço um suspeito "potyan  potyan " indicando claramente o som dos pingos caindo encima de água acumulada.  

    Ao abrir a porta-janela; o susto, a água ameaçava transbordar para o quarto ! Desci em desabalada carreira, já de cueca para não molhar o pijama em busca de qualquer coisa para desentupir o ralo.

    Nesse ínterim diante desse pandemônio,  acorda a Neli toda assustada não entendendo nada me vendo naquele traje sumário, ensopado com uma chave de fenda, um pedaço de arame e um rolo de fio elétrico.  "O que foi, o que foi? " "Já lhe explico" respondo, impaciente…tentei com a chave de fenda, nada! A  saída do ralo pelo visto passa  por caminhos  tortuosos dificultando o uso da chave.  Tento o arame que também não  passava  pelo obstáculo. A chuva já me encharcava até os ossos e a Neli gritando,  “Jooorge, pelo amor de Deus, saia da chuva!"

    Teimoso que sou e não pensando em passar a noite tirando água com canecas, prossegui, desta vez utilizando o fio elétrico embora parecesse improvável a sua utilidade.  Em todo o caso fui introduzindo o fio mais maleável, que parecia avançar mais dobrando as curvas. Depois de muitas cutucadas, PLOFT!!! (enfim uma onomatopéia brasileira) ouço o som de alguma coisa sendo removida. Enfim aliviado,  vejo a água acumulada escoando lentamente pelo ralo. 

    Nessa noite, virei um herói pelo menos para minha esposa, pela sagacidade de diferenciar um tranquilizador  "pityan" de  um ameaçador  "POTYAN".